terça-feira, 14 de dezembro de 2010

V

Já muito tempo passou, Lídia,
E estou surpreendido comigo.
Parece que já não sinto aquela chama que tudo devora,
A tua imagem desvanece-se facilmente,
Mesmo quando vejo o pôr-do-sol.

Não compreendo.
Tanta magia, tanto sentimento,
Tanta saudade, tanta fugacidade,
E agora tudo o que resta parece um simples resíduo
De um fósforo ardido.

Não percebo como se consegue,
Fazer promessas, juras escritas na areia,
Que o mar leva logo à primeira onda.
Talvez seja normal porque não é amor.

Vivemos na ilusão,
Porque pensamos que amamos,
E no fundo a única coisa que se faz,
É colocar inúmeras expectativas numa pessoa,
É transportar tudo o que pode depender de nós,
Transpô-lo para alguém,
E colocar todo o peso da nossa alegria nessa pessoa.
Até mesmo da felicidade (seja lá o que isso for).

Olhando melhor é só egoísmo,
É chantagem.
Mas é compreensível,
Pois a nossa carne é fraca,
E isso enfraquece o espírito.

Não somos perfeitos,
Por isso amar é errar.

Não me venham com coisas,
Porque todos nós temos fraquezas,
Todos nós temos medos,
Por mais fortes e corajosos que sejamos,
Ou aparentemos ser
(Como acontece na maioria das vezes).

Não vejo grandes diferenças
Entre um sábio, um louco e uma pessoa "normal".
Diferem só na forma como vivem com as dúvidas:
Enquanto um tenta construir e aprender com elas,
Pensando que descobriu algo de novo,
Outro entra em pânico, e outro esquece-as.
Dorme.

Dormimos todos.
Como um bébé no seu berço,
Somos embalados pelo Tempo.

Ele embala não como uma ama
Que com carinho gosta do bébé,
Mas com a frieza de quem foi incumbido pelos deuses
A fazer esse chato trabalho para toda a eternidade.

De vez em quando alguns de nós acordam,
E vendo onde estão, ou melhor,
Vendo que não estão onde pensavam que estavam,
Começam a chorar.
Então o Tempo dá-lhes um guizo,
Não por pena,
Mas porque se enfada com o nosso barulho.

Então voltamos a dormir de olhos abertos.

Se o amor é o mais importante na vida,
Aquilo que nos faz saborear a eternidade da nossa finitude,
Tem que vir de dentro de nós
E não se concentrar em ninguém.

Só se concentra porque somos fracos,
E temos medo de coisas como a solidão,
Que de vez em quando nos aparece
Com as suas vestes negras,
E o seu toque gélido.

Para amar, abdica,
Derrota primeiro os teus monstros.
Depois poderás amar,
Pois serás livre.

E pronunciei o teu nome uma só vez.

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