sexta-feira, 31 de dezembro de 2010


Não tenhas nada nas mãos
Nem uma memória na alma,

Que quando te puserem
Nas mãos o óbolo último,

Ao abrirem-te as mãos
Nada te cairá.

Que trono te querem dar
Que Átropos to não tire?

Que louros que não fanem
Nos arbítrios de Minos?

Que horas que te não tornem
Da estatura da sombra

Que serás quando fores
Na noite e ao fim da estrada.

Colhe as flores mas larga-as,
Das mãos mal as olhaste.

Senta-te ao sol. Abdica
E sê rei de ti próprio.

Ricardo Reis

sábado, 25 de dezembro de 2010

Este ano as nuvens não abriram. Escondem as estrelas e tentam fazer desaparecer memórias, outros anos em que havia quem visse as estrelas e sonhasse com um mundo onde a felicidade anda de mão dada connosco.

Chove e tenho frio.

Vou ver o presépio. Olho o Menino, a Sagrada Família. E em cima o Anjo que tinha posto há pouco, bem me parecia que faltava qualquer coisa quando o fizémos. Fico a absorver um mundo sem Tempo, onde o pastor guarda as ovelhas, os Reis prosseguem a sua viagem encaminhados pela Estrela, onde o simples musgo é árvores, planície e fantasia, onde reina a Paz.

Então percebo que o Menino sorri atrás das nuvens e fico a sentir os pingos frios da chuva na cara. E lembro-me que uma das mensagens do Natal é tentar descobrir as bençãos onde menos parece que as há, e agradecer. Ter esperança.

E lá no alto, acabo por ver as estrelas brilhar.

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Natal


Antes do Cristianismo, já antes o Natal era comemorado, as suas origens remotam a uma tradição pagã, na altura via-se que as noites iam-se tornando cada vez maiores, tinha-se até medo que deixasse de existir dia, e então festejava-se porque marcava o momento em que o dia voltava a crescer e a luz ganhava às trevas. A origem da palavra Natal provem do latim, de um vocábulo que quer dizer "nascer". O Cristianismo, também como forma de melhor se enraizar na sociedade, aproveitou esta data. E hoje em dia o Natal tem o significado que nem é preciso descrever.
Este ano parece que o Natal chegou de repente, sem avisar. Quando somos miúdos o Natal vem ter connosco, agora é altura de irmos nós ter com o Natal. Gosto desta época. Parece que tudo emana uma espécie de atmosfera de felicidade, uma felicidade que parece que vai caindo lentamente como farrapinhos de neve, que se desfazem na mão, mal os agarremos. E quanto mais depressa a tentamos segurar e manter connosco, mais depressa ela desaparece, tal como quando agarramos um farrapinho de neve com mais força, mais rápido se transforma em água. Adoro os presépios, as luzes, as músicas. Tem graça mas parece que tem mais magia ouvi-las na rádio do que no mp3, talvez seja porque não estamos à espera, somos surpreendidos.
Quando era menino (se é que agora ainda não sou), a minha mão disse-me para deixar os sapatos à lareira na noite de consoada porque o Menino Jesus vinha de noite e deixar-me-ia um presente. Qual não foi a minha surpresa quando de manhã vi lá umas moedas! Lembro-me que nessa altura acreditei que tinha sido mesmo o Menino Jesus. Acho que foi das poucas, se não a única vez, em que fui completamente crédulo. Nunca acreditei em Pais Natais nem em coelhinhos da Páscoa. Mas talvez isso não fosse acreditar, porque para acreditar precisamos de ter dúvidas.

Esta noite tenho de encontrar o Natal, o Meu Natal. Um Natal que nos conta a história de um Menino que nasceu numa manjedoura, ao pé de uma vaca e um burro. Um Natal que nos ensina uma mensagem de simplicidade, de esperança no mundo e no futuro, de paz e harmonia, de renovação, de vida, de Deus.
Hoje deixarei os meus sapatos na lareira. Quando chegar de manhã, sei que o Menino Jesus terá lá vindo e deixado magia num sapato, e força de vontade no outro. Sei que sim.

Porque o Verdadeiro Natal acontece no nosso coração.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

V

Já muito tempo passou, Lídia,
E estou surpreendido comigo.
Parece que já não sinto aquela chama que tudo devora,
A tua imagem desvanece-se facilmente,
Mesmo quando vejo o pôr-do-sol.

Não compreendo.
Tanta magia, tanto sentimento,
Tanta saudade, tanta fugacidade,
E agora tudo o que resta parece um simples resíduo
De um fósforo ardido.

Não percebo como se consegue,
Fazer promessas, juras escritas na areia,
Que o mar leva logo à primeira onda.
Talvez seja normal porque não é amor.

Vivemos na ilusão,
Porque pensamos que amamos,
E no fundo a única coisa que se faz,
É colocar inúmeras expectativas numa pessoa,
É transportar tudo o que pode depender de nós,
Transpô-lo para alguém,
E colocar todo o peso da nossa alegria nessa pessoa.
Até mesmo da felicidade (seja lá o que isso for).

Olhando melhor é só egoísmo,
É chantagem.
Mas é compreensível,
Pois a nossa carne é fraca,
E isso enfraquece o espírito.

Não somos perfeitos,
Por isso amar é errar.

Não me venham com coisas,
Porque todos nós temos fraquezas,
Todos nós temos medos,
Por mais fortes e corajosos que sejamos,
Ou aparentemos ser
(Como acontece na maioria das vezes).

Não vejo grandes diferenças
Entre um sábio, um louco e uma pessoa "normal".
Diferem só na forma como vivem com as dúvidas:
Enquanto um tenta construir e aprender com elas,
Pensando que descobriu algo de novo,
Outro entra em pânico, e outro esquece-as.
Dorme.

Dormimos todos.
Como um bébé no seu berço,
Somos embalados pelo Tempo.

Ele embala não como uma ama
Que com carinho gosta do bébé,
Mas com a frieza de quem foi incumbido pelos deuses
A fazer esse chato trabalho para toda a eternidade.

De vez em quando alguns de nós acordam,
E vendo onde estão, ou melhor,
Vendo que não estão onde pensavam que estavam,
Começam a chorar.
Então o Tempo dá-lhes um guizo,
Não por pena,
Mas porque se enfada com o nosso barulho.

Então voltamos a dormir de olhos abertos.

Se o amor é o mais importante na vida,
Aquilo que nos faz saborear a eternidade da nossa finitude,
Tem que vir de dentro de nós
E não se concentrar em ninguém.

Só se concentra porque somos fracos,
E temos medo de coisas como a solidão,
Que de vez em quando nos aparece
Com as suas vestes negras,
E o seu toque gélido.

Para amar, abdica,
Derrota primeiro os teus monstros.
Depois poderás amar,
Pois serás livre.

E pronunciei o teu nome uma só vez.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Um Hallelujah

Tudo começou num autocarro. O rádio ia relativamente alto na RFM, e não era daquelas vezes em que a cabeça parece que ia rebentar, para além do mais quando as músicas desta rádio não são propícias para isso. Estava contente, tínhamos acabado de ganhar nas meias finais do Interturmas. É quando começa a tocar uma música que nunca tinha ouvido, mas que bastou ouvir os primeiros acordes e gostei. A senhora que no autocarro se encarregava de vigiar os miúdos e (aparentemente) garantir que levam o cinto de segurança, veio cá atrás, e comentou "Hum, tenho esta música no telemóvel", "Como se chama?", "É "Hallelujah" de "Alexandra Burke". Curiosamente, tínhamos uma ideia para a prova livre da final, e pensei que esta seria a música adequada.
E esta música representa uma das coisas mais marcantes do meu secundário, não só quando actuámos, mas quando ensaiávamos, demos todos as mãos, e ouvimos o Nosso Hallelujah. Nada pode apagar o silêncio depois, a amizade, ali, uma turma, unida. Ainda agora me é muito esquisito lembrar-me de momentos como este e saber que fazem parte do passado, já não voltam. Parece que não quer sair, teima a ficar algures entre o presente e o passado, suspenso.
Hoje, num contexto muito diferente, outra vez num autocarro, toca um "Hallelujah", outra vez na RFM. À frente, umas pessoas conversam. Já passaram muitos Hallelujah desde então, e algumas vezes apetecia-me deixar de ouvir, tal era a volúpia de sentimentos que trazia. Mas é claro, ouvia até ao fim. Desde o "I herd that it was a secret chord, that David played and it pleased the Lord, but you don't really care for music, do you?" até ao "It´s cold and it's a broken Halllelujah". Hoje está frio lá fora. Olho a chuva oblíqua, o vento que a traz. Mas cá dentro o ambiente é aconchegador. Não só porque está quente, mas porque há um Hallelujah que se revive. Se fechar os olhos, sei que estou noutro mundo, noutro dia, e não estou sozinho. Porque há um Hallelujah. Um Hallelujah de paz, um Hallelujah de saudade, um Hallelujah de sentimento, um Hallelujah de amizade. Um Hallelujah que ficou algures perdido desde que uma turma o ouviu de mãos dadas. Um Hallelujah que está sempre a querer desaparecer, mas sobrevive, revive, porque está no coração.

O meu Hallelujah, o Hallelujah do meu 12.ºB, para sempre<3.