segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Por favor, concedam-me
O desejo de nada querer.
Não há liberdade tão suprema
Como quando tudo damos
E nada esperamos.

Como quando regamos um flor,
Cuidamos dela,
E nos coibimos de sentir
A suavidade das suas pétalas,
Ou até vislumbrar a sua beleza.

Mas nada, Lídia, nada,
Substitui ter-te nos meus braços.

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Pensei que já não te voltarias a sentir assim. Ou pelo menos saber melhor lidar, afastar esse sentimento. Fraco.

Adoro chuva. Neste momento, caminhar sem guarda-chuva, de manga curta, é o melhor que me podia acontecer. Como tenho a vontade de começar a correr. Ou simplesmente parar e ficar a absorver as gotículas assim como o cérebro absorve as palavras de um livro que está a apreciar. Como adoro esta chuva. Como amo esta melancolia. Faz-me sorrir. É o estado natural de todas as coisas: a melancolia, a tristeza, a doce noção de que nada vale a pena e tudo é inútil. Será que estas pessoas que vão nos automóveis já  perceberam isso? Quer o tenham feito ou não, para elas também é indiferente. Dormem. Eu também quero dormir. Adoro esta chuva. Nos prédios, as luzes dos apartamentos começam a acender-se. Imagino o que aquelas pessoas fazem neste preciso momento. Será que alguma delas olha para o relógio e se apercebe a passagem inexorável e eterna do segundos? Infelizmente estou quase a chegar ao carro. De qualquer forma, também não convinha continuar muito tempo pois não seria agradável o espectáculo de chegar a casa totalmente molhado. Abro a porta. Silêncio. Ligo o rádio, nenhuma música me agrada. Desligo. Deixo-me estar a saborear o Silêncio, deixo a mente divagar. Imagens aparecem e desaparecem, farrapos de pensamentos vão e vêm. As palavras vão flutuando na cabeça, como os destroços de um navio boiam no mar após um naufrágio. As gotas vão batendo no pára-brisas. Sigo o percurso delas através do vidro. Adoro chuva.

Já chega. Volta para a realidade.

Digo para mim:
Estás só. Ninguém o sabe.
Cala e finge.
Mas finge sem fingimento.
Nada esperes que em ti ja não exista, 
Cada um consigo é triste.
Tens sol se há sol, ramos se ramos buscas,
Sorte se a sorte é dada.

Liga a ignição do carro.  Dorme.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Se algum dia te tivessem perguntado, Sophia,
Que pessoa era aquela a quem davas a mão,
(Com pouca firmeza e segurança, acrescentemos)
Devias ter-lhes declarado que era ninguém.

Porque alguém que disfruta docemente do Silêncio,
Adora veementemente a Solidão,
Repudia tranquilamente a Felicidade,
Nada mais é que ninguém.

E se algum dia eu te tivesse perguntado, Sophia,
Porque não percebes a profundidade do meu olhar,
Porque não sentes em pleno os meus pequenos gestos,
Devias ter-me explicado que era ninguém.

domingo, 13 de maio de 2012

*estrelas cadentes

- Dás-me a mão? (ele deu) Às vezes é bom ser inconsciente. Não temos noção do que vai acabar ou continuar e não dói tanto.

- Gosto de olhar para as nuvens. É como diz o poeta: “sente-se o frio de haver luar”.
- Como fazíamos no 10.º ano? (foi há tanto tempo)
(ele abraçou-a e ela chorou. Foram assim todo o caminho)

- No livro que comprei havia uma parte em que a mulher chorava e o homem disse que se a lágrima fosse de alegria se transformaria num diamante, mas se fosse de tristeza ia desfazer-se em cinzas. Ele agarrou a lágrima e transformou-se num diamante. Não sei se as minhas lágrimas seriam diamantes ou cinzas.
- Se calhar não seriam nem uma coisa nem outra. Talvez sejam estrelas cadentes.
- (talvez.)
- Adeus, Susana.

- O abraço desfez-se e a lágrima caiu.
Estrela cadente.

(...)
(ele procurou a mão dela e deram-nas)
-Estrela cadente….
-Nem sei bem porque é que disse isso….
-Sei eu…
(juntaram as outras duas mãos)

-Era bom ficar assim mais um bocado…
-Pode ser que pare mais à frente….
(no princípio ainda se esqueceu mas depois parou, as mãos desenlaçaram-se)
-Até…sexta.
-Adeus.
- Até sempre,
Estrela cadente.
(by: G.&S.)
Abriu as mãos, e nelas reluziam as ricas espirais de pérolas.
-Flynn, não me peças que as aceite.
-Peço-o. Dou-te este presente, Kayleen. São réplicas, e não pertencem a mais ninguém senão a mim. Até te pertencerem a ti.
Estrangulou-se-lhe a voz quando ele as colocou à volta do pescoço.
-Fizeste-as para mim?
-Talvez tenha ficado algo preguiçoso com os anos. Levei um pouco mais de tempo a conjurá-las do que deveria, mas fez-me recordar o prazer de criar.
-São mais bonitas que as outras. E muito mais preciosas.
-E eis uma lágrima - murmurou ele, e apanhando-a com a ponta do dedo enquanto se lhe deslizava pela face - Se cai de felicidade, vai brilhar. Se for de pesar, vai transformar-se em cinzas. Observa.
A gota tremeluziu no dedo dele, cintilou, e depois solidificou-se num diamante em forma de lágrima.
-E é este o teu presente para mim - retirou o pingente de debaixo da camisola, e passou a mão por ele. A gota de diamante brilhava agora debaixo da pedra-de-lua. Vou usá-lo junto ao coração. Sempre.

 Nora Roberts, "Em Sonhos".

Sempre...

sábado, 5 de maio de 2012

Amarelo. Tudo amarelo. Parece dia.

Procuro o melhor ângulo para observar o círculo amarelo reluzente pendurado na tela escura, e com uma pequenas pintas brilhantes à volta. Uma pincelada branca está traçada e parece que quem pegou no pincel o levantou de propósito para poder vislumbrar a Lua, no seu esplendor.

Sou só eu, esta atmosfera magnífica, e uma música que me diz: É verdade, olha como elas brilham para ti...

sexta-feira, 27 de abril de 2012

"Conversávamos sobre saudade. E de repente me apercebi de que não tenho saudade de nada. Isso independente de qualquer recordação de felicidade ou de tristeza, de tempo mais feliz, menos feliz. Saudade de nada. Nem da infância querida, nem sequer das borboletas azuis, Casimiro. Nem mesmo de quem morreu. De quem morreu sinto é falta, o prejuízo da perda, a ausência. A vontade da presença, mas não no passado, e sim presença atual.
Saudade será isso? Queria tê-los aqui, agora. Voltar atrás? Acho que não, nem com eles.
A vida é uma coisa que tem de passar, uma obrigação de que é preciso dar conta. Uma dívida que se vai pagando todos os meses, todos os dias. Parece loucura lamentar o tempo em que se devia muito mais.
Queria ter palavras boas, eficientes, para explicar como é isso de não ter saudades; fazer sentir que estou exprimindo um sentimento real, a humilde, a nua verdade. Você insinua a suspeita de que talvez seja isso uma atitude.
Meu Deus, acha-me capaz de atitudes, pensa que eu me rebaixaria a isso? Pois então eu lhe digo que essa capacidade de morrer de saudades, creio que ela só afeta a quem não cresceu direito; feito uma cobra que se sentisse melhor na pele antiga, não se acomodasse nunca à pele nova. Mas nós, como é que vamos ter saudades de um trapo velho que não nos cabe mais?
Fala que saudade é sensação de perda. Pois é. E eu lhe digo que, pessoalmente, não sinto que perdi nada. Gastei, gastei tempo, emoções, corpo e alma. E gastar não é perder, é usar até consumir.
E não pense que estou a lhe sugerir tragédias. Tirando a média, não tive quinhão por demais pior que o dos outros. Houve muito pedaço duro, mas a vida é assim mesmo, a uns traz os seus golpes mais cedo e a outros mais tarde; no fim, iguala a todos.
Infância sem lágrimas, amada, protegida. Mocidade - mas a mocidade já é de si uma etapa infeliz. Coração inquieto que não sabe o que quer, ou quer demais.
Qual será, nesta vida, o jovem satisfeito? Um jovem pode nos fazer confidências de exaltação, de embriaguez; de felicidade, nunca. Mocidade é a quadra dramática por excelência, o período dos conflitos, dos ajustamentos penosos, dos desajustamentos trágicos. A idade dos suicídios, dos desenganos e, por isso mesmo, dos grandes heroísmos. É o tempo em que a gente quer ser dono do mundo - e ao mesmo tempo sente que sobra nesse mesmo mundo. A idade em que se descobre a solidão irremediável de todos os viventes. Em que se pesam os valores do mundo por uma balança emocional, com medidas baralhadas; um quilo às vezes vale menos do que um grama; e por essas medida, pode-se descobrir a diferença metafísica que há entre uma arroba de chumbo e uma arroba de plumas.
Não sei mesmo como, entre as inúmeras mentiras do mundo, se consegue manter essa mentira maior de todas: a suposta felicidade dos moços. Por mim, sempre tive pena deles, da sua angústia e do seu desamparo. Enquanto esta idade a que chegamos, você e eu, é o tempo da estabilidade e das batalhas ganhas. Já pouco se exige, já pouco se espera. E mesmo quando se exige muito, só se espera o possível. Se as surpresas são poucas, poucos também os desenganos.
A gente vai se aferrando a hábitos, a pessoas e objetos. Ai, um dos piores tormentos dos jovens é justamente o desapego das coisas, essa instabilidade do querer, a sede do que é novo, o tédio do possuído.
E depois há o capítulo da morte, sempre presente em todas as idades. Com a diferença de que a morte é a amante dos moços e a companheira dos velhos.
Para os jovens ela é abismo e paixão. Para nós, foi se tornando pouco a pouco uma velha amiga, a se anunciar devagarinho: o cabelo branco, a preguiça, a ruga no rosto, a vista fraca, os achaques. Velha amiga que vem de viagem e de cada porto nos manda um postal, para indicar que já embarcou."


Rachel de Queiroz
(Crónica publicada no jornal "O Estado de São Paulo"  -  13/01/2001)

sexta-feira, 16 de março de 2012

É bom acreditar em nada. Sentir-se despejado de uma série de obrigações e imperativos que impomos a nós mesmos. Olhar para os outros e ver a forma como criam as suas ilusões, como colocam as suas expectativas de uma possível alegria em objectos e pessoas que não merecem, nem essa responsabilidade, nem essa atenção. E depois arrepender-se de sequer ter olhado para essas pessoas que dormem, que andam de um lado para o outro sem saber bem porquê e para quê, pois ao olhá-las estamos em parte a agir como elas, a procurar a solução em algo exterior a nós mesmos.

Quando nos libertarmos das prisões que nos são impostas e, mais que tudo, das que criamos para nós de forma voluntária, quando olharmos o pôr-do-sol e dermos a mão aquela solidão que lá ao fundo nos sorri, quando nada esperarmos que em nós já não exista, pode ser que nesse momento se alcance essa insustentável leveza do ser. Mas no limite sentirei sempre o peso de não sentir peso.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

 A sua filha ia hoje lindíssima, vestida de princesa, disfarce do qual a maioria das meninas gosta de usar no Carnaval. De repente a mãe começou a pensar no futuro, no ano em que ela deixaria de querer vir vestida assim e depois no ano em que deixasse de acreditar na inocência da vida e na magia das coisas. As suas cogitações foram interrompidas pela interpelação da filha:
-Mãe, é verdade que os quase todos os adultos não se mascaram porque deixaram de achar piada ao Carnaval?
-Hum, parece-me que também é por causa disso, mas acima de tudo penso que os adultos passam o ano todo a fingir que são outras pessoas, por isso já não sentem que é preciso mascararem-se nesta altura...
-Não entendi, mãe...
-Pensa assim: no fundo os adultos são como actores, a partir de uma dada altura da vida passam a representar um papel, a agir de acordo com o que acham que as outras pessoas querem de si.
-Tu também és assim mãe?
-Às vezes também sou, mas tento sempre não ser.
-Pois olha, eu digo-te já, quando for grande não vou ser como esses adultos esquisitos!
A mãe olhou para a filha, e entristeceram-se os seus olhos:
-Um dia vais perceber, filha, que por mais que lutes para te desprender das correntes, elas manter-te-ão sempre agarrada ao lado de dentro da caverna.
Nada mais a filha disse. E a mãe não saberia que apesar de neste momento não as ter percebido, a filha nunca mais se esqueceria destas palavras.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Cada vez mais percebo menos o sentido das coisas.