
O tempo estava um pouco quente para esta altura do ano. Já vinha a andar há bastantes horas e os pés já começavam a ficar em sangue, mas nada disso o preocupava, tinham-lhe roubado as sandálias um dia de noite e não tinha dinheiro para comprar outras. Ia passando a mão ao de leve pelas espigas de trigo enquanto andava, este ano iria ser produtivo, e as pessoas agradeceriam a Deus por um ano de fartura, certamente sacrificariam mais cordeiros, pombas e coisas afins. Nunca tinha percebido muito bem a lógica dos sacrifícios: para ele Deus não era algo que se exigia que se derramasse sangue em Seu nome, mas sim Aquilo que está dentro de cada um de nós, em cada lágrima de alegria e em cada lágrima de tristeza, em cada momento de silêncio e em cada momento de agitação.
Sabia que no fundo não compreendia Deus, nem sequer sabia se acreditava verdadeiramente nele. Tinha bastantes dúvidas, e não sabia se tinha alguma vez sentido Deus realmente. Não percebia como era mais fácil para as pessoas ver-se Deus num pôr-do-sol do que num daqueles pastores que viajam de terra em terra, com as suas ovelhas, seu sustento e sua companhia. Via Deus quando olhava o pastor e o via cuidar duma ovelha doente, sabia que não o fazia porque estava ali algo que lhe daria sustento, mas porque se encontrava ali um ser que sofria, e que merecia toda a dignidade e respeito. Via Deus quando olhava os olhos do pastor e via o carinho, o brilho, via que todos os sonhos do Mundo podiam estar agora naquele homem.
Finalmente estava quase a chegar. Havia uma pequena subia íngreme e depois la estava: o monte Gólgota. Queria ver aquele homem, dito Jesus, o Nazareno. Já o tinha encontrado uma vez, quando ele andava leproso. Nessa altura Jesus disse que o curava, no entanto ele recusou, disse que precisava de acreditar sem ter provas, precisava de ter fé sem que lho tivessem demonstrado. Saberia que iria morrer e poderia parecer o mais ingrato dos homens, mas achava que não devia a creditar em Jesus porque o tinha curado, queria acreditar Nele. Jesus assentiu, não o curou. No entanto quando acordou no outro dia a doença tinha desaparecido, e sabia que tinha sido Ele.
Tinha chegado a tempo. Jesus ainda se encontrava vivo, na cruz. Queria-se ajoelhar diante dele, e chorar por todos os momentos que tinha passado, porque tinha encontrado a sua terra prometida. Achava curioso o modo como as pessoas o tinha encarado: passavam anos à procura de um Messias, e quando Ele aparece não acreditam. No fundo todos os homens são assim: passam a vida a entreter-se e quando surge a oportunidade de irei além da sua vida vulgar, de mudar o mundo, de encontrar o amor, de descansar em Deus, não acreditam, fogem, desistem.
Chegou-se o mais perto possível. Alguém tinha saído há pouco com um balde com vinagre e água. Havia uma placa que dizia: "Jesus de Nazaré, o Rei dos Judeus". De cada lado Dele estavam a ser crucificados mais duas pessoas. Jesus, no meio de tanto sofrimento, exclamou "Meus Deus, Meu Deus, porque Me abandonaste?". Não sabia se era um devaneio, ou se o próprio Filho de Deus estava agora com dúvidas de tudo. Olhando para Ele na cruz, pensou que no fundo funcionava como aqueles animais que eram sacrificados: Ele era o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do Mundo.
De repente parou, admirado. Jesus, nos seus últimos momentos de vida, olhava para ele. Reconhecia-o. Caiu no chão e chorou. Jesus tinha expirado pela última vez. Não precisava de saber que Ele iria ressuscitar. Acreditava.
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