segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Boiando, com rumo incerto


Enquanto olhava hoje o rio, chamou-me à atenção ver uma garrafa de vidro, boiando à superfície, por entre as ligeiras ondulações da água, avançando lentamente pelo curso do rio, com uma rota indefinida, incerta, ou talvez determinística mas indeterminável devido à complexidade do mundo que a envolve. Alheia a isto tudo lá vai, esta garrafa, certamente com a sua história, que a levou até ali. Lembro-me logo de uma história romântica, como a da garrafa que esteve na origem do amor entre Theresa e Garrett, em "As Palavras Que Nunca Te Direi". Talvez ela transporte também um poema, uma mensagem, para um amor perdido, uma paixão efémera, uma ilusão que persiste. Pode ser que simplesmente tenha saltado de um qualquer caixote do lixo, ou o mais provável, que uma qualquer pessoa tenha consumido o álcool do seu interior, e como a preguiça é muita, se tenha desenvencilhado dela da maneira mais fácil e a tenha atirado ao rio.

Às vezes sinto-me um pouco como na situação da garrafa: simplesmente a flutuar, tranquilamente, algures perdido sem ter a certeza de que o rumo é certo ou de que o controlo, algures perdido, ao sabor das ondas e do vento, à beira de ir ao fundo, algures perdido entre o que era, o que sou, e o que não tenho a certeza que quero ser. Mas o mais provável é que seja sempre a mesma pessoa, sim, sou, só que o que me rodeia é que muda, e mudou bastante há um ano. Talvez seja como aquela montanha na Oceânia, Ayers Rock, que muda de cor ao longo do dia, mas o que a constitui é sempre o mesmo, o que muda é o ângulo de incidência dos raios solares.

Alheia a isto tudo, a todas estas divagações que quase nada são, lá vai a garrafa, sem bússola, sem rumo. Talvez vá para a reciclagem, talvez acabe no mar, talvez acabe em mínimas lascas de vidro. Ou talvez alguém acabe por ler a mensagem no seu interior, e uma Theresa e um Garrett se encontrem. Oh, que opção ilógica, que probabilidade infimíssima. Mas quem sabe?

domingo, 19 de setembro de 2010

Ser é quase

Ser é quase.
É um colóide, uma substância translúcida,
uma névoa, uma neblina,
que é dissipada pelo sol da morte.
A morte é deixar de ser,
transforma a energia do ser,
do amor, do ódio,
numa energia sombria, escura, de luto,
de esquecimento.
Mas que importa que um breve nevoeiro,
caia e esteja destinado ao esquecimento?
Ser é indefinição.
Nem nada se consegue ser,
é impossivel ser nada,
e assim, também e impossível ser tudo.
Ser é uma forma pouco nítida,
onde se mistura uma escuridão
como a morte e uma luz
como Deus.
Ser é efemeridade, beleza, arte,
é imperfeição, é falta.
É quase. É vida.