domingo, 27 de novembro de 2011

Hoje deixo por uns tempos de escrever

Volto a escrever no mesmo computador onde comecei. Curiosamente hoje o meu portátil está com algum problema. Não sei se isso será algum sinal, pois é engraçado eu voltar a escrever no computador fixo onde comecei este blog.

Vou deixar por uns tempos de escrever. Preciso de pensar até que ponto devo colocar aqui aquilo que penso ser, bem como alguns momentos que tocam no mais fundo de mim. Agradeço às pessoas que casualmente leram aqui algum texto, e espero que as tenha ajudado a esclarecer as suas dúvidas. Agradeço às três pessoas que deixaram aqui comentários, em especial a uma que desde o princípio me seguiu, e que deixou aqui mensagens que me incentivaram bastante a continuar, obrigado, especialmente a ti, A.

Gostaria de deixar uma frase que me tenha marcado, e veio-me logo esta à cabeça, aquela que Jesus disse a Tomé: "Tomé, tu acreditaste porque viste; feliz de quem acredita sem ver". Penso de não preciso de acrescentar mais nada, só se acredita verdadeiramente quando parece que não há razões para isso.

Acreditemos.

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

-Consegues ver-me?
-Hoje trazes uma roupa bonita, o cabelo...
-Não, eu perguntei se conseguias ver-me, estás só a dizer aquilo que observas.
(Deram as mãos)
-Não percebo o que queres dizer...
(Por momentos ficaram a olhar um para o outro, em silêncio. Mesmo sem falar, sentiu que naquele momento a ilha que cada um de nós é desaparece, que aqueles olhos conseguiam ver algo fundo de si, e a solidão abandonou o seu coração)
-Está tudo bem?
-Sim. Tu vês-me.
(Colocou-lhe o braço no ombro, e ficaram ali, dois corpos, uma só pessoa)

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

O barulho da lâmpada fluorescente acesa era irritante, parecia que brocas trabalhavam perto dos meus ouvidos. O chão estava frio, ligeiramente húmido, com odor a amónia, certamente teria sido lavado recentemente. Ao longe, escutava vozes sobrepostas, que ora se desvaneciam, ora aumentavam ligeiramente a intensidade. As pequenas janelas permitiam que a luminosidade fosse razoável, e retiravam qualquer sentido à existência da lâmpada acesa. A claridade não era muito grande, por isso o dia deveria estar nublado, ou talvez o nevoeiro ainda não se tivesse dissipado.
Passei duas ou três vezes água fria pela cara, e olhei para o espelho. Fiquei a olhar para o meu reflexo como se de um estranho se tratasse, como se estivesse a observar pela primeira vez os contornos daquela face. Percebo que entre mim e aquele do outro lado há uma grande diferença, como se o facto de me olhar ao espelho fosse uma prova de que sou mais que uma sombra, ou digamos, um aglomerado temporário de células, uma imagem efémera, haverá o que quiserem que lhe chamemos: alma, espírito, luz. Se o criador do espelho envenenou a alma humana, talvez numa fase anterior tenha permitido que sintamos que ela exista.
Lavo outra vez a cara como se a água me purificasse, e colocasse a imagem do outro lado como um resíduo cada vez menor, resíduo esse que é ao mesmo tempo a nossa prisão e nossa liberdade, ou retirando a metáfora e perífrase (ou qualquer outro recurso que esteja para aí), chamamos corpo.
Abri a porta e segui durante algum tempo pelo corredor, ouvindo os ecos dos meus passos a ressoarem nas paredes. Ao fundo estavam várias portas, mas não sabia quantas, pois ainda me encontrava a alguma distância. Fiquei indeciso: não sabia se devia seguir ou voltar para trás. Não me lembrava bem de onde tinha vindo, mas (a minha alma) sentia que vinha de um sítio onde me sentia bem, vinha de casa.
Repentinamente, alguém me colocou a mão no ombro. Virei-me rapidamente e a pessoa retirou a mão, percebendo que me tinha assustado. Era alguém que não conseguia perceber bem se era homem ou mulher, o rosto não me parecia nítido, talvez por estar vestido de branco, tal como as paredes estavam pintadas da mesma cor, e talvez porque ainda não me sentia bem acordado, ou melhor, porque me sentia a meio caminho entre o sono e o despertar.
"Precisa de alguma coisa, amigo?", perguntou. No entanto calou-se logo a seguir, e ficou com uma expressão ilegível, como se entendesse que estava surpreendido por encontrar alguém e por esse alguém me colocar logo uma questão e me tratar por "amigo" (quem é, ou melhor, o que é um amigo?). No entanto qualquer coisa nele (ou nela) me parecia realmente amigável (para manter adjectivos do mesmo campo lexical), e decidi responder, "Bem, por acaso não sei muito bem para onde ir...". "Nisso não o posso ajudar, embora entenda que a principal questão para a qual queira resposta".
Por momentos abstraí-me da sua presença, olhei em meu redor, não sei se seria impressão minha mas parece que tinham aparecido mais portas, o que ainda me deixava mais angustiado. Sentia-me vazio, como se nada naquele momento fizesse alguma vez sentido. Vendo-me assim, a pessoa à minha frente retirou a expressão enigmática e afirmou: "É engraçado que tu ultrapassas com relativa facilidade os momentos aparentemente mais difíceis, e nas alturas em que não é exigido quase nada de ti, crias uma data de problemas sem sentido. Nunca te esqueças que os espaços em branco num texto são tão importantes como as letras que vais escrevendo." Dito, isto calou-se, e era perceptível que estava à espera da minha reacção.
Não sabia se deveria responder algo. Tinha-me tratado por tu, como se me conhecesse há bastante tempo, e, apesar de eu não perceber muito bem o que queria dizer, tinha uma profunda sensação que aquelas palavras tinham sentido, que diziam algo sobre mim que eu não queria admitir.
Como resposta lancei-lhe um peremptório "Quem és tu?", ao passo que replicou, com um leve sorriso, "Não tentes lançar as tuas dúvidas para o meu lado. Só te vou responder com aquilo que leste uma vez: Nem tu me podes fazer todas as perguntas, nem eu te posso dar todas as respostas". E voltou ao seu semblante ilegível.
Deixei-me ficar em silêncio. Parecia que aquela me pessoa me estava a dar tranquilidade. Voltei a olhar à volta. Parecia que no fundo o número de portas aumentava cada vez mais. E qual é o meu espanto quando reparo que, nos breves instantes em que me distraí, a pessoa que tão inesperadamente tinha aparecido, tinha desaparecido. Subitamente, aquela sensação de vazio re-surgiu, acompanhada de uma espécie de angústia. Apetecia-me deitar no chão e dormir, sim, dormir e não voltar a acordar...
Mas não podia parar, tinha algo dentro de mim que me obrigava a continuar a andar, mesmo sem saber para onde ir. Comecei a dar os primeiros passos, como se estivesse a aprender a andar pela primeira vez, tentando com todo o esforço manter o equilíbrio, tal qual um ébrio. O chão parecia que me fugia, ora parecia firme, ora gelo, ora que estava prestes a cair para um precipício, mas tinha que continuar.
Levantei a cabeça, precisava de olhar mais longe, precisava de ver mais além, queria talvez encontrar um sentido para isto tudo. Não podia desistir, só dizia para mim mesmo, "Nunca te esqueças de quem és, nunca!", mesmo sem saber quem realmente sou. Podia não ter todas as respostas, podia não fazer todas as perguntas, mas podia ter todas as dúvidas. Mas não será isso que faz tudo valer a pena?