Vá lá, deixa-me dormir.
Estou tão cansado...
Sim, a cabeça também me dói,
O corpo reclama,
Mas o que me cansa a sério é o mundo.
Podia ser só um fechar rápido de olhos?
Prometo que não é muito tempo,
É só para tocar a felicidade um pouco.
Alguém me pede que não haja barulho?
Está alguém lá ao fundo,
Parece que afia qualquer coisa,
Podia parar um pouco,
Para haver ausência de ruído,
Já que Silêncio não há.
É que eu só queria adormecer...
Não preciso de almofada, nem de cobertor,
Só de lençóis de esperança
E um colchão feito de força de vontade.
Está a chover lá fora, o vento está forte.
Troveja fortemente.
Quando era menino,
A minha mãe dizia-me que a trovoada era Deus,
Que ralhava connosco porque nos tínhamos portado mal.
Então eu tapava os ouvidos,
Para não ouvir os trovões, ou melhor,
Para não ouvir Deus,
E pedia-lhe que nos perdoasse a todos,
Que deixasse de ralhar, que nos portaríamos bem.
Depois disseram-me que não era Deus,
Era qualquer choque entre nuvens saturadas,
Uma questão qualquer da ciência,
Que me encolheu Deus.
Gosto da chuva, das tempestades.
Não porque depois da tempestade vem a bonança.
O que gosto é de sentir esta espécie de ambiente melancólico,
Que me deixa meio feliz, meio atormentado.
As rajadas recitam uma melodia bonita no telhado,
Dou por mim a sorrir,
Esqueço-me que queria adormecer.
Agora já não tenho medo dos relâmpagos,
Que rasgam o céu e iluminam a noite,
Até gosto de ver as suas formas instantâneas.
Lá ao fundo está uma luz,
Será um candeeiro de rua, ou Deus?
Caiu um relâmpago aqui perto,
A luz apagou-se, Deus deixou-me.
Não há ninguém à minha volta,
Estou sozinho e Deus faz-me companhia,
Mas lá em cima ralha, pois, os homens portaram-se mal outra vez.
Tenho medo da trovoada.
Tapo os ouvidos, como se fosse novamente aquela criança,
A chuva embala-me, o vento acaricia a pele,
E eu só quero dormir.
Dormir é a doce inocência,
E a doce inocência é sonhar,
E enquanto lentamente vou fechando os olhos,
Deus pára de ralhar,
A luz volta a acender-se,
E eu durmo.