
Talvez não haja morte.
(Olho para o teu quadro).
Talvez seja só a vida que serenamente
decida abandonar o corpo.
Tranquilamente, tal como uma borboleta que pousou numa flor,
e finalmente a decide deixar.
Sem dramas, com a suavidade de um toque de seda,
A borboleta deixa a flor.
Não há nenhuma mulher vestida de preto, nenhuma caveira,
Nenhuma ceifeira.
(Sinto o frio do vidro da moldura
E o calor das memórias de um futuro que já passou).
Só uma borboleta que deixa uma flor,
Com toda a indiferença em relação a tudo
o que sentiu e experimentou.
Depois vai voando pelos campos verdejantes,
Rumo ao arco-íris onde nada existe.
(Vêm-me lágrimas aos olhos,
não sei se de tristeza ou alegria).
Não me enganas, Sophia.
Vejo nos teus olhos todas as promessas de Verdade,
Na tua face a porta para um mundo onde se pode tocar
o tecido de veludo e cetim que é a felicidade.
(Felicidade? Sim, é isso que promete o rosto atrás do vidro).
Nada disso é real.
Pois vejo todas as pessoas que enganaste
que levaste à perdição em nome de uma causa maior,
que destruíste e usaste.
(Será mentira? A tua foto é tão inocente).
Mas o que é real, Sophia?
Tu sabes mostrar aos homens que nada é certo,
que tudo é relativo,
que somos simples marionetas
que tentam ganhar vida própria.
Talvez nada valha a pena.
(Viro a moldura, coloco-a no chão).
Mas não fiquemos parados, Sophia.
Viajemos pelo mundo,
Estudemos Matemática, Física, Filosofia,
Ajudemos pessoas,
Caminhemos pela areia,
Subamos as montanhas.
(Tenho que atirá-la fora, já não me serve de nada.
O passado não volta, e recordar é sofrer).
E depois de isto tudo,
percebamos ver este pôr-do-sol de mãos dadas
é o momento mais próximo que estamos da Verdade.
Então eu saberei que tu me enganaste
E aperceber-me-ei que sempre estive e estarei sozinho.
No entanto olharei para ti, e sorrirei.
Tentarei esquecer isto tudo,
Afagando-me no teu ombro.
Tentarei dormir.
(Sim, nunca mais a virarei).
No fundo, talvez o sentido da vida
seja acreditar.
Se acreditarmos tudo faz sentido.
Acima de tudo, foi isso que aprendi com(tigo) Sophia.
Sei que independentemente do que faça,
me escapará sempre algo,
como se, (tu), Sophia nunca tivesse(s) sido minha.
Enquanto levanto a moldura e a coloco na cómoda,
não sei se as borboletas que vejo
são vida a voar devido à fantasia
ou desilusões, com asas de sonhos quebrados, esquecidos.
Sabes Sophia, nunca seremos mais do que crianças.